Frutos da mentira e do sangue: 1789-1989
Orlando Fedeli
(Fonte: Associação Cultural Montfort)
 

Que escandalosa contradição entre o que a propaganda trombeteia a respeito da Revolução Francesa - cujo bicentenário de sangue se celebra neste ano (*) - e os frutos que ela produziu.

Nossa época - este século de homens em rebelião contra Deus - nasceu dos princípios laicamente sacrossantos de 1789. Tudo o que é genuinamente contemporâneo veio de lá. Mas como se explica que da Igualdade tenham nascido os totalitarismos; da Liberdade, as tiranias e ditaduras; da Fraternidade, a Gestapo e a KGB? Por que, não há como negar, dos escombros da Bastilha é que se construíram os fornos de Auschwitz e o Muro da Vergonha.

De fato, a Igualdade revolucionária nasce do orgulho. Não tolerando qualquer superior, o homem orgulhoso consente em que seus inferiores sejam alçados a seu nível, contanto que seus maiores sejam rebaixados. Não mais suserano. Não mais Papa. Não mais padre. Era lógico que tais gritos de revolta gerassem outros: “Não mais ricos. Não mais proprietários”. A Revolução que exigiu por lei que todos se tratassem por cidadão e por tu, sob pena de morte, gerou outra revolução ainda mais igualitária, que ordenou que se chamasse a todos de camarada, que se abolisse a idéia de meu e de teu, e que se sonhasse com a abolição da família e a instauração do amor livre.

A Revolução Francesa adorou a Razão na pessoa de uma prostituta, e o Ser supremo num ídolo imposto por Robespierre. A Revolução comunista de Lênin, Stalin e Fidel proclamou que não há Deus, e, em seu lugar, entronizou o Homem. O Homem - ídolo velho e carcomido - do qual Paulo VI proclamou que a Igreja, no Vaticano II, se fez quase servidora.

Era lógico que o igualitarismo político produzisse o igualitarismo econômico da Revolução socialista. Como manter a mentira da igualdade política nas sociedades liberais, já que é o dinheiro que controla a propaganda e as eleições?

Já durante a Revolução, em 1793, os “enragés”, liderados por Hébert e Chaumette, pregaram a necessidade de implantar o comunismo, sem o que os ricos dominariam sempre as decisões eleitorais. Sem igualdade social e econômica, diziam eles, a igualdade no voto é uma falácia. O que eles tentaram fazer em 1793, Lênin fez em 1917 e Frei Boff quer fazê-lo hoje na América Latina.

Do igualitarismo político da Revolução de 89 nasceu também o nacionalismo. Se todos os homens são iguais, todas as nações também devem sê-lo. Conseqüentemente, não poderiam existir colônias, e cada nação deveria ser um Estado. Daí, vieram as unificações da Itália e da Alemanha, assim como todos os movimentos anti-colonialistas. Daí, veio também a idéia de que cada povo deve ter um governo e um chefe. Da Revolução da Liberdade nasceu, pois, o lema nazista “Ein Volks, Ein Reich, Ein Führer”, em nome do qual tantos crimes se cometeram. Foi devido ao nacionalismo gerado pela Revolução Francesa que eclodiram as duas grande guerras de 1914 e 1939. As infinitas cruzes dos mortos nessas guerras foram fincadas no chão pelos princípios jacobinos e girondinos.

Governo do povo, governo da maioria, era o que queria a Revolução. Hoje, o mundo progrediu muito na arte de fazer a maioria falar. A maioria repete no voto o que os alto-falantes da propaganda maciça lhe repetem, por meses. E, para ter esses alto-falantes, basta possuir o ouro que os controla.

A maioria ulula nas passeatas fanatizadas, nos comícios histéricos, no aplauso dos demagogos. E sempre que estão em jogo os Direitos de Deus contra os “Direitos” do Homem, e Pilatos pede ao povo que escolha, a multidão grita em plebiscitos uníssonos: Barrabás!

Governo da maioria... Quem fala pela maioria, quem se proclama a Voz do Povo, é o ditador histérico. Em nome da maioria ele desencadeia a guerra, determina genocídios, extingue o direito de propriedade, constrói os fornos crematórios, massacra em Katin, extermina em Treblinka, fuzila em Havana, vocifera em Buenos Aires, esmaga os estudantes da Praça da Paz Celestial...

Governo da maioria, governo do povo, fonte do poder. Em seu nome, então, multiplicam-se os levantes. Ninguém mais obedece.

Há golpes e contragolpes. Todos em nome do povo. A América Latina, desde 1789, é prova dessa anarquia a que levou o direito de insurreição proclamado pelos demagogos da guilhotina em 89.

O governo do povo, o governo da maioria levou o mundo contemporâneo a uma bifurcação: ou a tirania de Stalin e de Hitler, ou a anarquia boliviana ou mexicana. Derrubou-se o tirânico Luís XVI, para em seu lugar colocar o manso Robespierre, ou Stalin, ou Mussolini, ou Hitler, ou Fidel.

Foi a Revolução de 89 que criou o mundo capitalista liberal, no qual o único valor é o dinheiro, no qual “time is money”, ou seja, “life is money” . Nesse mundo da Revolução tudo tem preço. Não há mais valores morais. Em vez da palavra de honra, o cartão de crédito. Em vez da palavra, o número. Em vez da honra, o status.

Novo mundo do consumismo capitalista, ou da fome socialista nicaragüense, etíope ou cubana. Escolham, senhores: a falsa liberdade consumista e materialista, ou a igualdade da fome comunista e atéia. Eis a opção a que a Revolução da Igualdade conduziu a humanidade. Como da Fraternidade da guilhotina, da frieza da bolsa de Nova York, do horror de Auschwitz e do Gulag, dos erros do Vaticano II nascerá a civilização do Amor anunciada para o terceiro milênio até por João Paulo II? Como da barbárie dos massacres nascerá a civilização? Como do ódio ideológico - o mais fanatizante da História - nascerá o Amor? Como sem verdade, haverá caridade?

A Revolução de 1789 proclamou que todo indivíduo criava e possuía sua própria verdade. As liberdades de 89 se fundam exatamente nisso: não há verdade objetiva. Ninguém pode ter certezas. Daí, a liberdade de imprensa e a liberdade de religião. Daí, a separação entre a Igreja e o Estado. Daí, o relativismo e o ceticismo modernos. Daí, o ateísmo teórico ou prático dos comunistas ou dos capitalistas, ainda que cristãos nominais.

Não admitindo a verdade objetiva, o mundo criado pela Revolução se transformou num hospício onde todos falam e ninguém se entende. Onde todos opinam, e ninguém sabe. Mundo de loucos ou de surdos, onde todos clamam por diálogo e querem impor, cada um, a sua mentira pessoal. A Revolução Francesa recriou Babel. É dessa nova Babel que a Igreja será vencedora. Prometeu-o a Virgem em Fátima.

É nessa Babel, cinzenta pela Igualdade, tiranizada pela Liberdade, ensangüentada pela Fraternidade, que a Igreja Católica Apostólica Romana permanece como torre inabalável, formosa como a beleza, serena como Deus, sólida e imutável como a Verdade.

(*) PUBLICADO ORIGINALMENTE EM VERITAS, 25, ANO III, 1989, JULHO-AGOSTO