QUIRÓGRAFO DO SUMO PONTÍFICE JOÃO PAULO II
NO CENTENÁRIO DO MOTU PROPRIO
«TRA LE SOLLICITUDINI»
SOBRE A MÚSICA SACRA
1. Impelido por um profundo desejo "de manter e de promover o
decoro da Casa de Deus", o meu Predecessor São Pio X emanava, há cem anos, o Motu
proprio Tra le sollecitudini, que tinha como objecto a renovação da música sacra nas
funções do culto. Com isso, ele pretendia oferecer à Igreja indicações concretas
naquele sector vital da Liturgia, apresentando-a "quase como um código jurídico da
música sacra"(1). Tal intervenção, igualmente, fazia parte do programa do seu
pontificado, que ele tinha resumido no dístico: "Instaurare omnia in Christo".
A data centenária do documento oferece-me a ocasião para destacar a importante função
da música sacra, que São Pio X apresenta seja como um meio de elevação do espírito a
Deus, seja como ajuda para os fiéis na "participação activa nos sacrossantos
mistérios e na oração pública e solene da Igreja"(2).
A especial atenção que é necessário reservar à música sacra recorda o Santo
Pontífice, deriva do facto de que, "como parte integrante da solene liturgia, dela
faz parte a finalidade geral que é a glória de Deus e a santificação e a edificação
dos fiéis"(3). Interpretando e expressando o sentido profundo do sagrado texto ao
qual está intimamente unida, ela é capaz de "acrescentar maior eficácia ao mesmo
texto, para que os fiéis [...] se disponham melhor para acolher em si os frutos da
graça, que são próprios da celebração dos sacrossantos mistérios"(4).
2. Este delineamento foi retomado pelo Concílio Ecuménico Vaticano II, no capítulo VI
da Constituição Sacrosanctum concilium sobre a sagrada Liturgia, onde menciona com
clareza a função eclesial da música sacra: "A tradição musical de toda a Igreja
constitui um património de inestimável valor, que sobressai entre as outras expressões
de arte, especialmente pelo facto de que o canto sacro, unido às palavras, é uma parte
necessária e integral da liturgia solene"(5). O Concílio recorda, ainda, que
"o canto sacro é elogiado seja pela Sagrada Escritura, seja pelos Padres, seja ainda
pelos Pontífices Romanos que recentemente, a começar por São Pio X, sublinharam com
insistência a tarefa ministerial da música sacra no serviço divino"(6).
Continuando, de facto, a antiga tradição bíblica, à qual o mesmo Senhor e os
Apóstolos se mantiveram apegados (cf. Mt 26, 30; Ef 5, 19; Cl 3, 16), a Igreja, ao longo
de toda a sua história, favoreceu o canto nas celebrações litúrgicas, oferecendo
segundo a criatividade de cada cultura, maravilhosos exemplos de comentário melódico dos
textos sagrados, nos ritos tanto do Ocidente como do Oriente.
Portanto, foi constante a atenção dos meus Predecessores a este delicado sector, a
propósito do qual foram evocados os princípios fundamentais que devem animar a
produção da música sacra, especialmente destinada à Liturgia. Além do Papa São Pio
X, devem ser recordados, entre outros, os Papas Bento XIV, com a Encíclica Annus qui (19
de Fevereiro de 1749); Pio XII, com as Encíclicas Mediator Dei (20 de Dezembro de 1947) e
Musicae sacrae disciplina (25 de Dezembro de 1955); e, finalmente, Paulo VI, com os
luminosos pronunciamentos que disseminou em múltiplas oportunidades.
Os Padres do Concílio Vaticano II não deixaram de reforçar tais princípios, em vista
da sua aplicação às condições transitórias dos tempos. Fizeram-no num capítulo
especial, o sexto, da Constituição Sacrosanctum concilium. O Papa Paulo VI procedeu,
pois, à tradução daqueles princípios em normas concretas, sobretudo por meio da
Instrução Musicam sacram, emanada com a sua aprovação em 5 de Março de 1967, pela
então Sagrada Congregação para os Ritos. É preciso voltar constantemente àqueles
princípios de inspiração conciliar, para promover, em conformidade com as exigências
da reforma litúrgica, um desenvolvimento que esteja, também neste campo, à altura da
tradição litúrgico musical da Igreja. O texto da Constituição Sacrosanctum concilium
onde se afirma que a Igreja "aprova e admite no culto todas as formas de verdadeira
arte, dotadas das devidas qualidades"(7), encontra os critérios adequados de
aplicação nos nn. 50-53 da Instrução Musicam sacram, agora mencionada(8).
3. Em diferentes ocasiões, também eu me referi à preciosa função e à grande
importância da música e do canto para uma participação mais activa e intensa nas
celebrações litúrgicas(9), e sublinhei a necessidade de "purificar o culto de
dispersões de estilos, das formas descuidadas de expressão, de músicas e textos
descurados e pouco conformes com a grandeza do acto que se celebra"(10), para
assegurar dignidade e singeleza das formas à música litúrgica.
Em tal perspectiva, à luz do magistério de São Pio X e dos meus outros Predecessores, e
considerando em particular os pronunciamentos do Concílio Vaticano II, desejo repropor
alguns princípios fundamentais para este importante sector da vida da Igreja, com a
intenção de fazer com que a música sacra corresponda cada vez mais à sua função
específica.
4. Em conformidade com os ensinamentos de São Pio X e do Concílio Vaticano II, é
preciso sublinhar acima de tudo que a música destinada aos sagrados ritos deve ter como
ponto de referência a santidade: ela, de facto, "será tanto mais santa quanto mais
estreitamente for unida à acção litúrgica"(11). Por este exacto motivo,
"não é indistintamente tudo aquilo que está fora do templo (profanum) que é apto
a ultrapassar-lhe os umbrais", afirmava sabiamente o meu venerável Predecessor Paulo
VI, comentando um decreto do Concílio de Trento(12) e destacava que "se não se
possui ao mesmo tempo o sentido da oração, da dignidade e da beleza, a música
instrumental e vocal impede por si o ingresso na esfera do sagrado e do
religioso"(13). Por outro lado, a mesma categoria de "música sacra"
recebeu hoje um alargamento de significado, a ponto de incluir repertórios que não podem
entrar na celebração sem violar o espírito e as normas da mesma Liturgia.
A reforma realizada por São Pio X visava especificamente purificar a música de igreja da
contaminação da música profana teatral, que em muitos países tinha poluído o
repertório e a prática musical litúrgica. Também nos nossos tempos é preciso
considerar atentamente, como evidenciei na Encíclica Ecclesia de Eucharistia, que nem
todas as expressões de artes figurativas e de música são capazes de "expressar
adequadamente o Mistério acolhido na plenitude da fé da Igrejas"(14).
Consequentemente, nem todas as formas musicais podem ser consideradas aptas para as
celebrações litúrgicas.
5. Outro princípio enunciado por São Pio X no Motu proprio Tra le sollecitudini,
princípio este intimamente ligado ao precedente, é o da singeleza das formas. Não pode
existir uma música destinada à celebração dos sagrados ritos que não seja, antes,
"verdadeira arte", capaz de ter a eficácia "que a Igreja deseja obter,
acolhendo na sua liturgia a arte dos sons"(15).
Todavia, esta qualidade por si só não é suficiente. A música litúrgica deve, de
facto, responder aos seus requisitos específicos: a plena adesão aos textos que
apresenta, a consonância com o tempo e o momento litúrgico para o qual é destinada, a
adequada correspondência aos gestos que o rito propõe. Os vários momentos litúrgicos
exigem, de facto, uma expressão musical própria, sempre apta a fazer emergir a natureza
própria de um determinado rito, ora proclamando as maravilhas de Deus, ora manifestando
sentimentos de louvor, de súplica ou ainda de melancolia pela experiência da dor humana,
uma experiência, porém, que a fé abre à perspectiva da esperança cristã.
6. Os cantos e as músicas exigidos pela reforma litúrgica é bom sublinhá-lo devem
corresponder também às legítimas exigências de adaptação e de inculturação. É
evidente, porém, que cada inovação nesta delicada matéria deve respeitar os critérios
peculiares, como a investigação de expressões musicais, que correspondam à
participação necessária de toda a assembleia na celebração e que evitem, ao mesmo
tempo, qualquer concessão à leviandade e à superficialidade. É necessário, portanto,
evitar, em última análise, aquelas formas de "inculturação", em sentido
elitário, que introduzem na Liturgia composições antigas ou contemporâneas que possuem
talvez um valor artístico, mas que induzem a uma linguagem realmente incompreensível.
Neste sentido, São Pio X indicava usando o termo universalidade um ulterior requisito da
música destinada ao culto: "...mesmo concedendo a cada nação ele considerava de
admitir nas composições religiosas formas particulares que constituem de certo modo o
carácter específico da música que lhes é própria, elas não devem estar de tal modo
subordinadas ao carácter geral da música sacra, que ninguém de outra nação, ao
ouvi-la, tenha uma impressão negativa"(16). Por outras palavras, o espaço sagrado
da celebração litúrgica jamais deve tornar-se um laboratório de experiências ou de
práticas de composição e de execução, introduzidas sem uma verificação atenta.
7. Entre as expressões musicais que mais correspondem à qualidade requerida pela noção
de música sacra, particularmente a litúrgica, o canto gregoriano ocupa um lugar
particular. O Concílio Vaticano II reconhece-o como "canto próprio da liturgia
romana"(17) à qual é preciso reservar, na igualdade das condições, o primeiro
lugar nas acções litúrgicas celebradas com canto em língua latina(18). São Pio X
ressaltava que a Igreja "o herdou dos antigos Padres", "guardando-o
ciosamente durante os séculos nos seus códigos litúrgicos" e ainda hoje o
"propõe aos fiéis" como seu, considerando-o "como supremo modelo de
música sacra"(19). O canto gregoriano, portanto, continua a ser também hoje, um
elemento de unidade na liturgia romana.
Como já fazia São Pio X, também o Concílio Vaticano II reconhece que "os outros
géneros de música sacra, e especialmente a polifonia, não estão excluídos de modo
algum da celebração dos ofícios divinos"(20). É preciso, portanto, avaliar com
atenção as novas linguagens musicais, para recorrer à possibilidade de expressar
também com elas as inextinguíveis riquezas do Mistério reproposto na Liturgia e
favorecer assim a participação activa dos fiéis nas diversas celebrações(21).
8. A importância de conservar e de incrementar o património secular da Igreja leva a ter
em particular consideração uma exortação específica da Constituição Sacrosanctum
concilium: "Promovam-se com empenho, sobretudo nas Igrejas Catedrais, as
"Scholae Cantorum". Por sua vez, a Instrução Musicam sacram determina a
função ministerial da schola: "É digno de particular atenção, para o serviço
litúrgico que desenvolve, o coro ou a capela musical ou ainda schola cantorum(23). No que
se refere às normas conciliares da reforma litúrgica, a sua tarefa tornou-se ainda mais
relevante e importante: deve, realmente, prover à execução exacta das partes que lhe
são próprias, segundo os diversos tipos de cânticos, e favorecer a participação
activa dos fiéis no canto. Portanto [...] promova-se com especial cuidado especialmente
nas catedrais e ans outras igrejas maiores, nos seminários e nas casas de formação
religiosas, um coro ou uma capela musical ou ainda uma schola cantorum". A tarefa da
schola não foi diminuída: ela, de facto, desenvolve na assembleia a função de guia e
de sustento e, nalguns momentos da Liturgia, desempenha a sua função específica.
Da boa coordenação de todos o sacerdote celebrante e o diácono, os acólitos, os
ministros, os leitores, o salmista, a schola cantorum, os músicos, o cantor e a
assembleia decorre aquele clima espiritual que torna o momento litúrgico realmente
intenso, participado e frutífero. O aspecto musical das celebrações litúrgicas,
portanto, não pode ser relegado nem à improvisação nem ao arbítrio de pessoas
individualmente, mas há-de ser confiado a uma direcção harmoniosa, no respeito pelas
normas e as competências, como significativo fruto de uma formação litúrgica adequada.
9. Também neste campo, portanto, se evidencia a urgência de promover uma formação
sólida, quer dos pastores quer dos fiéis leigos. São Pio X insistia particularmente
sobre a formação musical do clero. Uma insistência neste sentido foi reforçada também
pelo Vaticano II: "Dê-se-lhes grande importância nos Seminários, nos Noviciados
dos religiosos e das religiosas e nas casas de estudo, assim como noutros institutos e
escolas católicas"(24). Esta indicação ainda deve ser plenamente realizada.
Portanto, considero oportuno recordá-la, para que os futuros pastores possam adquirir uma
sensibilidade adequada também neste campo.
Nesta obra formativa, um papel especial é desempenhado pelas escolas de música sacra,
que São Pio X exortava a apoiar e promover(25), e que o Concílio Vaticano II recomenda a
instituir onde for possível(26). Fruto concreto da reforma de São Pio X foi a erecção
em Roma, em 1911, oito anos depois do Motu proprio, da "Pontifícia Escola Superior
de Música Sacra", que em seguida se tornou "Pontifício Instituto de Música
Sacra". Além desta instituição académica, já quase centenária, que desempenhou
e ainda desempenha um serviço qualificado na Igreja, existem muitas outras Escolas
instituídas nas Igrejas particulares que merecem ser apoiadas e incrementadas para um
melhor conhecimento e execução da boa música litúrgica.
10. Dado que a Igreja sempre reconheceu e favoreceu o progresso das artes, não é de se
admirar que, além do canto gregoriano e da polifonia, admita nas celebrações também a
música moderna, desde que seja respeitosa do espírito litúrgico e dos verdadeiros
valores da arte. Portanto, permite-se que as Igrejas nas diversas Nações valorizem, nas
composições destinadas ao culto, "aquelas formas particulares que constituem de
certo modo o carácter específico da música que lhes é própria"(27). Na linha do
meu Predecessor e de quanto se estabeleceu mais recentemente na Constituição
Sacrosanctum concilium(28), também eu, na Encíclica Ecclesia de Eucharistia, procurei
abrir espaço às novas formas musicais, mencionando juntamente com as inspiradas melodias
gregorianas, "os numerosos e, frequentemente, grandes autores que se afirmaram com os
textos litúrgicos da Santa Missa"(29).
11. O século passado, com a renovação realizada pelo Concílio Vaticano II, conheceu um
desenvolvimento especial do canto popular religioso, do qual a Sacrosanctum concilium diz:
"Promova-se com grande empenhamento o canto popular religioso, para que os fiéis
possam cantar, tanto nos exercícios de piedade como nos próprios actos
litúrgicos"(30). Este canto apresenta-se particularmente apto para a participação
dos fiéis, não apenas nas práticas devocionais, "segundo as normas e o que se
determina nas rubricas"(31), mas igualmente na própria Liturgia. O canto popular, de
facto, constitui um "vínculo de unidade, uma expressão alegre da comunidade orante,
promove a proclamação de uma única fé e dá às grandes assembleias litúrgicas uma
incomparável e recolhida solenidade"(32).
12. No que diz respeito às composições musicais litúrgicas, faço minha a "regra
geral" que são Pio X formulava com estes termos: "Uma composição para a
Igreja é tanto sacra e litúrgica quanto mais se aproximar, no andamento, na inspiração
e no sabor, da melodia gregoriana, e tanto menos é digna do templo, quanto mais se
reconhece disforme daquele modelo supremo"(33). Não se trata, evidentemente, de
copiar o canto gregoriano, mas muito mais de considerar que as novas composições sejam
absorvidas pelo mesmo espírito que suscitou e, pouco a pouco, modelou aquele canto.
Somente um artista profundamente mergulhado no sensus Ecclesiae pode procurar compreender
e traduzir em melodia a verdade do Mistério que se celebra na Liturgia(34). Nesta
perspectiva, na Carta aos Artistas escrevo: "Quantas composições sacras foram
elaboradas, ao longo dos séculos, por pessoas profundamente imbuídas pelo sentido do
mistério! Crentes sem número alimentaram a sua fé com as melodias nascidas do coração
de outros crentes, que se tornaram parte da Liturgia ou pelo menos uma ajuda muito válida
para a sua decorosa realização. No cântico, a fé é sentida como uma exuberância de
alegria, de amor, de segura esperança da intervenção salvífica de Deus" (35)(Ed.
port. de L'Osserv. Rom. n. 18, pág. 211, n. 12).
Portanto, é necessária uma renovada e mais profunda consideração dos princípios que
devem estar na base da formação e da difusão de um repertório de qualidade. Somente
assim se poderá permitir que a expressão musical sirva de modo apropriado a sua
finalidade última, que "é a glória de Deus e a santificação dos
fiéis"(36).
Sei ainda que também hoje não faltam compositores capazes de oferecer, neste espírito,
a sua contribuição indispensável e a sua colaboração competente para incrementar o
património da música, ao serviço da Liturgia cada vez mais intensamente vivida.
Dirijo-lhes a expressão da minha confiança, unida à exortação mais cordial, para que
se empenhem com esmero em vista de aumentar o repertório de composições que sejam
dignas da excelência dos mistérios celebrados e, ao mesmo tempo, aptas para a
sensibilidade hodierna.
13. Por fim, gostaria ainda de recordar aquilo que São Pio X dispunha no plano prático,
com a finalidade de favorecer a aplicação efectiva das indicações apresentadas no Motu
proprio. Dirigindo-se aos Bispos, ele prescrevia que instituíssem nas suas dioceses
"uma comissão especial de pessoas verdadeiramente competentes em matéria de música
sacra"(37). Onde a disposição pontifícia foi posta em prática, não faltaram os
frutos. Actualmente, são numerosas as Comissões nacionais, diocesanas e interdiocesanas
que oferecem a sua contribuição preciosa para a preparação dos repertórios locais,
procurando realizar um discernimento que considere a qualidade dos textos e das músicas.
Faço votos a fim de que os Bispos continuem a secundar o esforço destas Comissões,
favorecendo-lhes a eficácia no âmbito pastoral(38).
À luz da experiência amadurecida nestes anos, para melhor assegurar o cumprimento do
importante dever de regulamentar e promover a sagrada Liturgia, peço à Congregação
para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos que intensifique a atenção, segundo
as suas finalidades institucionais(39), aos sectores da música sacra litúrgica,
valendo-se das competências das diversas Comissões e Instituições especializadas nesse
campo, como também da contribuição do Pontifício Instituto de Música Sacra. É
importante, de facto, que as composições musicais utilizadas nas celebrações
litúrgicas correspondam aos critérios enunciados por São Pio X e sabiamente
desenvolvidos, quer pelo Concílio Vaticano II quer pelo sucessivo Magistério da Igreja.
Nesta perspectiva, estou persuadido de que também as Conferências episcopais hão-de
realizar cuidadosamente o exame dos textos destinados ao canto litúrgico(40), e prestar
uma atenção especial à avaliação e promoção de melodias que sejam verdadeiramente
aptas para o uso sacro(41).
14. Ainda no plano prático, o Motu proprio do qual se celebra o centenário, aborda
também a questão dos instrumentos musicais a serem utilizados na Liturgia latina. Dentre
eles, reconhece sem hesitação a prevalência do órgão de tubos, sobre cujo uso
estabelece normas oportunas(42). O Concílio Vaticano II acolheu plenamente a orientação
do meu Predecessor, estabelecendo: "Tenha-se grande apreço, na Igreja latina, pelo
órgão de tubos, instrumento musical tradicional e cujo som é capaz de trazer às
cerimónias do culto um esplendor extraordinário e elevar poderosamente o espírito a
Deus e às coisas celestes"(43).
Deve-se, porém, reconhecer que as composições actuais utilizam frequentemente modos
musicais diversificados não desprovidos da sua dignidade. Na medida em que servem de
ajuda para a oração da Igreja, podem revelar-se como um enriquecimento precioso. É
preciso, porém, vigiar a fim de que os instrumentos sejam aptos para o uso sacro,
correspondam à dignidade do templo, possam sustentar o canto dos fiéis e favoreçam a
sua edificação.
15. Desejo que a comemoração centenária do Motu proprio Tra le sollecitudini, por
intercessão do seu santo Autor, conjuntamente com Santa Cecília, Padroeira da música
sacra, sirva de encorajamento e estímulo para aqueles que se ocupam deste importante
aspecto das celebrações litúrgicas. Os cultores da música sacra, dedicando-se com
impulso renovado a um sector de relevância tão vital, contribuem para o amadurecimento
da vida espiritual do Povo de Deus. Os fiéis, por sua vez, expressando de modo harmónico
e solene a sua própria fé com o canto, experimentarão cada vez mais profundamente a
riqueza e harmonizar-se-ão no esforço em vista de traduzir os seus impulsos nos
comportamentos da vida quotidiana. Poder-se-á, assim, alcançar, graças ao compromisso
concorde dos pastores de almas, dos músicos e dos fiéis, aquilo que a Constituição
Sacrosanctum concilium qualifica como verdadeira "finalidade da música sacra",
isto é, "a glória de Deus e a santificação dos fiéis"(44).
Nisto, sirva também de exemplo e modelo a Virgem Maria, que soube cantar de modo único,
no Magnificat, as maravilhas que Deus realizou na história do homem. Com estes bons
votos, concedo-vos a todos a minha afectuosa Bênção.
Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 22 de Novembro de 2003, memória de Santa
Cecília, no vigésimo sexto ano de Pontificado.
Notas
1) Pio X, Pontificis Maximi Acta, vol. I, pág. 77.
2) Ibidem.
3) Ibid., n. 1, pág. 78.
4) Ibidem.
5) N. 12.
6) Ibidem.
7) Ibidem.
8) Cf. AAS 59 (1967), pp. 312-316.
9) Cf., por exemplo, Discurso ao Pontifício Instituto de Música Sacra no 90 aniversário
de fundação (19 de Janeiro de 2001), 1: Insegnamenti XXIV/1 (2001), pág. 194.
10) Audiência geral de 26 de Fevereiro de 2003, 3: L'Osservatore Romano (ed. port. de
1.3.2003), pág. 124.
11) Concílio Ecuménico Vaticano II, Const. sobre a Liturgia Sacrosanctum concilium, 112.
12) Discurso aos participantes da assembleia geral da Associação Italiana Santa Cecília
(18 de Setembro de 1968), em: Insegnamenti VI (1968), pág. 479.
13) Ibidem.
14) N. 50, em: AAS (2003), pág. 467.
15) N. 2, pág. 78.
16) Ibid., pp. 78-79.
17) Const. sobre a sagrada Liturgia Sacrosanctum concilium, 116.
18) Cf. S. Congregação para os Ritos, Instrução sobre a música na sagrada Liturgia
Musicam sacram (5 de Março de 1967), 50, em: AAS 59 (1967), 314.
19) Motu proprio Tra le sollecitudini, n. 3, pág. 79.
20) Const. sobre a sagrada Liturgia Sacrosanctum concilium, 116.
21) Cf. Ibid., n. 30.
22) Ibid., n. 114.
23) N. 19, em: AAS 59 (1967), 306.
24) Const. sobre a sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, 115.
25) Cf. Motu proprio Tra le sollecitudini, n. 28, pág. 86.
26) Cf. Const. sobre a sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, 115.
27) Pio X, Motu proprio Tra le sollecitudini, n. 2, pág. 79
28) Cf. n. 119.
29) N. 49, em: AAS 95 (2003), pág. 466.
30) N. 118.
31) Ibidem.
32) João Paulo II, Discurso no Congresso Internacional de Música Sacra (27 de Janeiro de
2001), 4, em: Insegnamenti XXIV/1 (2001), pp. 239-240.
33) Motu proprio Tra le sollecitudini, n. 3, pág. 79.
34) Cf. Concílio Ecuménico Vaticano II, Const. sobre a sagrada Liturgia Sacrosanctum
Concilium, 112.
35) N. 12, em: Insegnamenti XXII/1 (1999), pág. 718.
36) Concílio Ecuménico Vaticano II, Const. sobre a sagrada Liturgia Sacrosanctum
Concilium, 112.
37) Motu proprio Tra le sollecitudini, n. 24, pág. 85.
38) Cf. João Paulo II, Carta ap. Vicesimus quintus annus (4 de Dezembro de 1987), 20: AAS
81 (1989), pág. 916.
39) Cf. João Paulo II, Const. ap. Pastor Bonus (28 de Junho de 1988), 65, em: AAS 80
(1988), pág. 877.
40) Cf. João Paulo II, Carta enc. Dies Domini (31 de Maio de 1998), 50, em: AAS 90
(1998), pág. 745; Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos,
Instr. Liturgiam authenticam (28 de Março de 2001), 108, em: AAS (2001), pág. 719.
41) Institutio generalis Missalis Romani, editio typica III, pág. 393.
42) Motu proprio Tra le sollecitudini, nn. 15-18, pág. 84.
43) Concílio Ecuménico Vaticano II, Const. sobre a sagrada Liturgia Sacrosanctum
concilium, 120.
44) Ibid., n. 112.